Espaço para a divulgação da arte e técnica de problemas de xadrez; sua evolução histórica; soluções de problemas e crônicas acidentais. Todos os direitos reservados. © Roberto Stelling

3 de maio de 2008

Casas correspondentes

"Precisamos garantir que o Xadrez não será como uma lingua morta: muito interessante, mas restrito a um pequeno grupo." - Sytze Faber (Comissário Geral da Federação Holandesa de Xadrez)

Há pouco tempo conversava sobre um final de partida com um jogador de xadrez e comentei que era fácil ganhar aquele final usando a idéia de casas correspondentes. A resposta foi, para mim, uma surpresa: "Sempre achei que isto fosse coisa de problemista, que não acontecia em partidas! O máximo que eu uso é oposição e triangulação!".

Não há nada de realmente misterioso no conceito de casas correspondentes, mas para iniciantes e até mesmo para alguns poucos jogadores experimentados o tema é visto como ficção científica ou cabala enxadrística: um mistério do qual ninguém deve chegar perto!

Na verdade a compreensão e uso de oposiçõe e casas correspondentes é essencial em finais de reis e peões onde há uma clara luta por espaço entre os dois monarcas (embora a técnica possa ser usada em alguns casos particulares de finais com peças menores).

Entre os teóricos de finais há alguns que defendem a idéia que a oposição é apenas um caso particular de casas correspondentes, mas eu discordo. O conceito de oposição é tão fácil de entender que se torna uma ferramenta essencial na análise de finais.
Assim o conjunto martelo, chave de fenda e parafuso da caixa de ferramentas de "casas correspondentes" é formado por oposição, zugzwang e triangulação! Os tres elementos aparecem frequentemente na resolução de finais e estudos.
Para entender a questão de uma vez por todas vejamos o final de peões abaixo:

É claro que se for a vez das pretas elas perdem porque precisam mover o rei de f6:
1. ... Rg6 2. e7 Rf7 3. R:f5 R:e7 4. Rg6 e não há como evitar a captura do peão de d6. E para quem não se lembra eu recordo: rei na 6 à frente do próprio peão é sempre vitória!

Assim as pretas estão em zugzwang nesta posição. Vemos então que as casas f4 e f6 possuem uma correspondência: quando as brancas jogarem Rf4 as pretas precisam jogar Rf6!
E se o rei branco estiver em h4 ? O rei preto precisa estar em g6 (veja que h6 não serve porque senão o peão de e6 estaria fora de alcance e promoveria) quando as brancas jogarem Rh4. De novo as pretas perderiam se fosse a sua vez de jogar. Então temos outra correspondência, agora entre h4 e g6.
Para que seja mais fácil encontrar outras casas correspondentes devemos numerar as que temos até agora: marcamos f4 e f6 com o número 1 e h4 e g6 com o número 2.
Neste ponto pergunto: que casas estão conectadas a 1 e 2 ? Apenas g7 do lado negro e g3 do lado branco. Marcamos estas casas com 3.
O que isto quer dizer ? Quer dizer que quando as brancas jogarem Rg3 as pretas PRECISAM jogar Rg7! Vejam que ao jogar Rg7 as pretas teriam a oposição à distância porém o que é realmente relevante é que g7(3) dá acesso tanto a f6(1) quanto a g6(2).

Como o campo do rei preto é limitado pelo peão de e6 o rei preto está restrito às casas g7, g6 e f6 para realizar o bloqueio ao rei branco. Já as brancas tem mais casas à sua disposição.
Primeiro vejamos f3: de f3 pode-se ir a f4(1) e g3(3), assim f3 corresponde a g6 (que liga [1] a [3]). Marcamos f3 com o número 2.
E f2 ? f2 dá acesso a f3(2) e g3(3), assim f2 corresponde a f6 e deve ser marcado com 1.
E o que acontece com g2 ? De g2 o rei branco pode ir a f2(1), f3(2) e g3(3), marcamos g2 com 4. Existe uma casa correspondente a g2 no campo do rei negro ? NÃO!
Assim a estratégia das brancas na posição inicial é simples: levar o rei branco a g2 e depois mover para f2, f3 ou g3 de acordo com a escolha das pretas e então avançar até f4 ou h4, deixando as pretas em zugzwang. Ou seja, fazer uma triangulação entre estas casas para depois avançar até f4 ou h4 no tempo correto.
Vejamos uma possível sequencia:
1. Rf3 Rg6 2. Rg2 Rf6 3. Rf2! (não porque se faz a oposição à distância mas sim porque f2 corresponde a f6!) Rg6 4. Rf3! Rg7 5. Rg3! e agora se 5. ... Rf6 6. Rf4! ou se 5. ... Rg6 6. Rh4!
Outra possível sequencia seria:
1. Rg3 Rg7 2. Rg2 Rg6 3. Rf3! Rg7 4. Rg3 e se 4. ... Rf6 5. Rf4! e se 4. ... Rg6 5. Rh4!

É interessante observar que neste caso em particular as brancas podem escolher o caminho para chegar a g2 (via f3 ou g3) e depois seguir seu percurso pelas casas correspondentes, além disto veja que nesta posição não há uma diferença essencial entre f2 e g2, ou seja poderíamos haver marcado g2 como 1 e f2 como 4 e a solução não seria muito diferente!

Como dissemos antes a idéia de casas correspondentes não ocorre apenas em finais de peões (embora sejam MUITO mais frequentes nestes finais) e pode ser aplicada em outras situações. Vejamos o estudo abaixo:

Pal Benko
Magyar Sakkelet, 1967
1o. Prêmio
Brancas jogam e empatam.
Primeiro vamos entender o que se passa, se as brancas capturarem o peão de f2 as pretas só conseguirão ganhar se mantiverem o rei preto na primeira fila e distante de h1. Na verdade com os reis em oposiçao na coluna f, por exemplo, as pretas podem dar-se ao luxo de ter o peão capturado, até mesmo com xeque. Já as brancas precisam evitar que o rei preto chegue a f3 e que a torre preta passe da sétima fila para a coluna f. Se fosse lance das pretas agora o jogo seguiria: 1. ... Ta8 2. Bd6 Ta6 3. Be5 Ta5 4. Bd4 Rg3 5. B:f2+ Rf3 e não há como evitar a perda do bispo. O bispo então precisa ir para uma casa onde possa ao mesmo tempo atacar a torre e o peão de f2 quando for ameaçado pela torre. Assim com a torre na coluna A é necessário que o bispo esteja em c7, com a torre na coluna B o bispo deve estar em d6 e assim por diante. Logo há uma correspondência entre a2 e c7, b2 e d6, c2 e e5 e d2 e f4.

Como a torre já está em a2 então a chave é:
1. Bc7! Tb2 2. Bd6 Tc2 3. Be5 Td2 4. Bf4 Te2!, agora para onde mover o bispo? g3 não é uma opção e se 5. Bc7?, por exemplo, as pretas jogam Ta2 e as brancas estão em zugzwang! Logo as brancas precisam mover para a única casa da diagonal que não tem correspondente na segunda fila 5. Bb8! Te8 (o último recurso já que mover a torre na segunda fila repetiria a posição) 6. Bg3! (agora Bg3 é possível porque a torre está na coluna e!) Rg4 7. R:f2 e empatam (claro que não 7. B:f2? Rf3!, ganhando).

Se você ainda tem dificuldade em finais de peões, estude o básico e compreenda bem o conceito de casas correspondentes, os resultados virão com o tempo!

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1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Excelente artigo sobre casas correspondentes. Deu pra ver que não é um assunto tão difícil assim, e que realmente ajuda em finais de peões. Parabéns pelo post!

15 de julho de 2009 às 09:38

 

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