Espaço para a divulgação da arte e técnica de problemas de xadrez; sua evolução histórica; soluções de problemas e crônicas acidentais. Todos os direitos reservados. © Roberto Stelling

3 de março de 2008

ISC 2008 - 1ª categoria, 2ª seção

A segunda seção não foi muito mais difícil que a primeira porém a marquei aqui apenas metade dos pontos que fiz na primeira seção. Cometi um erro comum em competições de soluções: fiquei muito tempo procurando uma solução equivocada em um dos problemas e deixei pouco tempo para os restantes. É essencial ter um limite máximo de atenção em cada composição para alcançar a melhor performance possível. O GM (da FIDE e soluções) Jonathan Mestel da Grã-Bretanha passou por uma dificuldade semelhante no mundial de Rodes em 2007 e acabou não resolvendo nenhum dos problemas da seção de mates em mais de 3 lances, um fato raríssimo para um solucionista que fora campeão mundial 10 anos antes.
Apesar de tudo o meu desempenho pessoal e o do Brasil melhoraram em relação ao ano passado: passei da 60ª para 49ª colocação, além disto fiquei com a clara sensação de que poderia ter ficado entre os 30 primeiros, como no Open de Rodes. O Brasil participou com 6 solucionistas, contra 3 do ano passado, e Leonardo Mano demonstrou uma melhora impressionante pulando de 182° colocado em 2007 para 115° em 2008, isto com um número maior de participantes este ano: 241 contra 197 do ano passado. Certamente os treinamentos com o campeão mundial Piotr Murdzia fizeram a diferença! A expectativa é ter ainda mais solucionistas no próximo ano e ter uma performance melhor.

Vejamos os problemas da segunda seção.

H. Ahues, #2
Problemisten, 1877, 2° prêmio
O primeiro problema da segunda seção não é muito difícil mas pode pegar alguns solucionistas de surpresa. Até mesmo o sétimo colocado Eddy Van Beers, o décimo sexto colocado e tri campeão mundial Piotr Murdzia e o décimo sétimo colocado Ofer Comay erraram a solução desta composição! Antes de resolver o problema é possível perceber que há uma certa reciprocidade entre as auto-interferências pretas em d6 e c4. Se Bd6 há C:f6#, se Td6 há T:f4#, se Bc4 há Td4# e se Tc4 há Dd5#. Uma forma de resolver o problema é encontrar uma chave para a qual estes movimentos sejam a defesa das pretas. É claro que Bd6 e Td6 interferem com a coluna d mas qual o efeito de Bc4 e Tc4 ? O mais natural é que seja uma interferência na diagonal a6-f1! Que tal então jogar Db5 (colocando a dama na diagonal a6-f1!!) com a ameaça de D:d3# ? Veja que as defesas pretas são exatamente as inteferências em d6 e c4! Depois de conferir as variantes é possível confirmar a chave: 1. Db5!. Uma nota adicional, as interferências mútuas em d6 e c4 formam o agradável tema Grimshaw.

V. Sichev, #3
Kom. Perveistvo SSSR, 1972/73, 3° prêmio
A má gestão de tempo e de solução neste problema me tirou várias posições neste ISC! Não é uma composição difícil porém a chave de baixa qualidade me deixou muito tempo procurando por uma solução onde não havia! Aqui os lances candidatos são claramente Dg6, Dh7, De6 e Dc6 já que a dama está deslocada em h6 e o controle de e3 não parece ter nenhuma relevância. Fiquei por milênios buscando onde estava o meu erro nas possibilidades de Dh7 ou Dg6 (a formação desta bateria é muito atraente, tenho que confessar. ;)) mas não encontrava resposta para a manobra Ce1-Cf3 em uma das variantes. Analisei também algumas variantes para Dc6 e De6 porém me convenci rapidamente que estes lances candidatos não eram a solução por serem violentos demais... Solucionando e aprendendo, de vez em quando é preciso ser violento! 1. Dg6 (ameaçando 2. C:c5+ R:c3 3. D:c2#) é refutado pelo menos por 1. ... Ce1 e se 2. Df7 então 2. ... Cf3 "estraga a festa". O correto era ter me convencido que teria que entrar na festa por outra porta... Voltando aos outros dois lances candidatos, com 1.De6 ou 1. Dc6 (ambos ameaçando 2. D:d5+) vemos que as defesas retirando a Torre de d5 não abrem uma linha favorável para a Dama caso ela esteja em c6, assim a solução deve ser 1. De6, vejamos: 1. ... Td7(Td8) 2. Bb1, se 1. ... Td6 2. Cf2+, se 1. ...Td4 2. Db3; 1. ... .C:e3 2. Dh6 e se 1. ...Cb4 2.axb4. Durante uma competição em uma situação como esta é essencial conseguir abandonar um problema depois de um determinado tempo e voltar a examiná-lo mais tarde!


E. Grosdemange, #5
Regence, 1860
Como as pretas tem a possibilidade de dar xeque em dois movimentos, por exemplo com Ba6 e Bb5+ ou com T:d4 e T:c4+, as brancas precisam fazer ameaças fortes e imediatas senão as pretas terão tempo para executar estas manobras. Como a Torre de b1 parece deslocada vemos que há dois movimentos candidatos com esta peça: 1. Te1 e 1. Th1. A idéia por trás de Th1 é fácil: 2. Th5+ porém esta ameaça pode ser defendida com Bd8. Já a idéia por trás de 1. Te1 é mais sutil: 1. Te1 (ameaçando T:e4#) T:e1 2. Ce2 (ameaçando 3. d4#) e se 2. ... Td1 então 3. C:f4! (ameaçando Cd3# e Cg6#) R:f4 4. Bd6#. Um belo quadro de mate, não ? Perceba que este mate é obtido em 4 lances portanto a manobra Te1/Ce2/Cf4 pode iniciar-se no segundo lance ao invés do primeiro. Veja que a tentavia falha com: 1. Te1 T:e1 2. Ce2 B:d2 e não há mais C:f4. Neste ponto não é difícil ver que é necessário combinar as duas idéias e chegamos de uma forma lógica à solução do problema: 1. Th1! Bd8 2. Te1 T:e1 3.Ce2 Td1 4.C:f4 e mate no próximo lance. Este problema é um exemplo típico da escola lógica de composições.

L. Falk, brancas jogam e empatam
Reti Memorial Tourney, 1989, 1° prêmio e.E.
Uma vez ou outra encontramos um problema furado (com solução alternativa) ou demolido (sem solução) em uma competição de soluções. Com o uso de computadores este fato é cada vez mais raro mas volta e meia aparece um estudo onde encontra-se um furo ou demolição. Este foi o caso do final de L. Falk. Está claro que as brancas não tem muitos recursos além de buscar uma alternativa de afogado. Com isto é essencial começar por 1. Tb8+ Rd7 2. Tb7+ Rc6 (tentando não capturar o peão para evitar um afogado mais tarde mas o Rei é obrigado a retornar) 3. Tb6+ Rd7 4. Tb7+ R:d6 e agora a única manobra viável é 5. Tb4 (defendendo d4) e se 5. ... Ta1+ 6. Rb2 Be5+ 7. Bd4 a3+ 8. R:a1 Cc2+ 9. Rb1 C:b4 10. Bb2!=, como desejava o autor do problema. Porém as pretas podem melhorar o jogo com 5. ... Tc3+! 6. Rd2 Tc4 7. Tb6+ Rd7 8. R:e3 Tc7 9. Tg6 T:a7 10. Tg7+ Rc6 11. T:a7 Bg1+ 12. Rd3 B:a7 13. Rc4 Bc5 e as pretas ganham porque o peão da torre é da cor do bispo. Como o problema foi demolido todos os competidores tiveram seus pontos cancelados e o tempo da segunda seção para todos os participantes foi de 120m.

O ajudado da segunda seção também era inédito e não pode ser reproduzido aqui, vejamos o último problema da segunda seção.

J. Arefjev, S#3
Die Schwalbe, 1996
O mate das pretas deve sair de uma das tres baterias que estão armadas na posição inicial: Th6/Bh4, Bf1/Tg2 e Dh1/Ch2. Uma idéia natural é tentar 1. g8=T ameaçando 2. f8=T+ Be7# mas as pretas podem jogar 1. ... g5. Esta defesa leva a uma possível solução, que tal 1. Be4 ameaçando 2. g8=T seguido de 3. f8=T+ ? As defesas para esta ameaça são: 1. ... e1=D (para jogar 2. Da1) 2. f8=C+ Rg8 3. Da2+, 1. ... c2 2. g8=B+ R:h8 3. Da1+ e 1. ... Th5 2. g8=D+ Rh6 3. D:g6+. As brancas promovem a T(na ameaça), C, B e D (o que compõe um Allumwandlung - ou AUW - branco) enquanto as pretas dão mate com cada uma das 3 baterias.

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2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Análises fantásticas como sempre! Me impressiona muito o fato dos problemas parecerem simples diante da narrativa que soa tão natural e consequente... mas são problemas dificílimos!

Leo Mano (RJ)

6 de março de 2008 às 19:56

 
Blogger Maiakowsky, um blog sobre xadrez (e algo mais!) disse...

Cara, que loucura!!

27 de abril de 2008 às 00:13

 

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