Espaço para a divulgação da arte e técnica de problemas de xadrez; sua evolução histórica; soluções de problemas e crônicas acidentais. Todos os direitos reservados. © Roberto Stelling

8 de março de 2006

Torres de Areia

Recebi uma contribuição do incrível Leonardo Mano. O Mano tem uma das melhores páginas sobre problemas de xadrez na internet: "Problemas de Xadrez". A qualidade do seu conteúdo é tão notável que várias publicações online em outras línguas possuem ponteiros para suas páginas.
Leonardo Mano (ou Mano para quem o conhece) começou a jogar xadrez lá no final dos anos 70, início dos anos 80 na praia do Leblon. Na época havia um grupo de jogadores que sequer participavam de clube e se entretiam no final da tarde com seus tabuleiros à beira da praia. Eram cenas insólitas, xadrez e biquinis, suor de fim de tarde e finais de peões, xeques duplos e ressacas de verão, chopps gelados e meio jogos quentes. Tudo ali, lado a lado, uma espécie de wormhole ligando as praias do Rio de Janeiro ao Café de la Regénce. Fico com uma certa saudade quando passo hoje no posto 12 do final do Leblon, quase em frente ao Caneco 70, e percebo que não há o menor indício que alí se travavam diariamente batalhas sangrentas e figadais manchando o calçadão da praia com lances brilhantes e capivaradas homéricas.

Vários personagens daquele palco feito de areia, tabuleiros quadriculados, sol abrasador e peças penduradas ainda fazem parte do cenário enxadrístico do Rio de Janeiro, outros vivem só na memória dos que passaram ótimos momentos naquele clube ao ar livre.
Me lembro do amável Carlos Emery Trindade, responsável pelo departamento de xadrez do Flamengo e que arrebanhou vários jogadores do calçadão; Mozart, que mais tarde também administrou o departamento de xadrez do Flamengo; Metin e Átila Yurtsever, dois grandes (em mais de um sentido!) e inseparáveis irmãos que foram meus companheiros de equipe na classe B do Flamengo e hoje administram a empresa fundada pelo pai (Munur??) a Rico Linhas Aéreas; Wader Luiz Gomes, o Vavá, engraçadíssimo e espirituoso ao extremo, sempre com uma piada na ponta da língua ("Borracha? Não tenho borracha, lápis é para quem erra!"); Sebastião Araújo, o Maestro da Orquestra Tabajara; Pierre, um francês que se encarregava de "amaciar" os novatos do local; Renato Terra, músico e autor de Bem te vi (com Dalto e Cláudio Rabello); ah, a lista poderia continuar por horas!!
Neste ambiente heterogêneo que conheci o Mano e nos tornamos bons amigos. Depois de um par de anos entramos na faculdade, cada um foi tratar da sua vida, se afastou do xadrez e nunca mais nos falamos. Em 2002, cerca de 20 anos depois do clube da areia ter se dissolvido, recebo do Mano um e-mail convidando para o Campeonato Brasileiro de Soluções de Problemas de Xadrez de 2002/2003. Eu havia me afastado do universo dos problemas de xadrez pouco após a morte de Felix Sonnenfeld (Felix será ainda tema de outros artigos) em fevereiro de 1993 e este reencontro com o Mano me trouxe de volta a um ambiente que havia esquecido e sua página de Problemas de Xadrez reabriu portas há muito cerradas. É possível que haja quem lamente mas eu não tenho como agradecer ao Mano pelo meu retorno ao mundo dos problemas de xadrez! Obrigado Leo!!

Abaixo segue o texto enviado pelo Leo Mano.

"Em palestras ou reuniões com jogadores de xadrez, após apresentar um "mate em 2", surge a inevitável observação: "mas uma posição dessas jamais ocorrerá em uma partida"!

De fato, são tão poucas as pessoas que entendem as composições artísticas, que sou obrigado a recorrer a uma analogia: Após a leitura de um belo soneto, imagine o leitor rebatendo: "mas ninguém fala desse jeito"!

Me parece claro que o poeta não tem a única preocupação de se fazer entender. Ele busca, também, recorrendo à métrica, à rima, combinações de palavras, despertar no leitor um sentimento novo (jamais experimentado antes). Mas como conseguir isso sem que o leitor esteja preparado?

O compositor de problemas de xadrez, da mesma forma, não quer que seu trabalho seja apenas solucionado. Existe também um enredo a ser desvendado. Quanto mais emocionante, mais valoroso é o problema.

Reduzir as composições artísticas a uma mera ferramenta de treinamento, é renunciar a um mundo rico de emoções que, a bem da verdade, está ao alcance de poucos. Não por questões intelectuais mas por questões práticas: O estudo das composições artísticas requer mais tempo que o exigido para, simplesmente, jogar xadrez".

Leo Mano

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